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Num barco, no mar revolto de palavras

Um texto só sobrevive, se arrebanhar um leitor!!!!
Um leitor só existe, se alguém escrever!!!


quinta-feira, 12 de setembro de 2024

 

 

O Amor Como Vício

Soneto de Abertura**

 

O amor é uma droga... 

É o meu maior vício! 

Eu me viciei nessa droga! 

O coração em solstício, 

 

Desregulada e muito louca!! 

Eu quero dele agora a boca! 

É já! Minha vontade é o agora!!! 

Quero-a por todas as horas. 

 

Meu vício é ele! O meu bem 

E meu mal! Quero-a e não vem 

Agora a sua boca para meu bem!! 

 

Ora, amor é a pedra no meu caminho! 

Quem mandou ele fomentar meu ninho? 

Foi só para me deixar nesse descaminho? 

(Sartório Wilen)

 

 

       Uma Dependência sem Fim

 

Eram quase três da manhã, e Carla ainda estava acordada. O quarto escuro parecia apertá-la, como se as paredes se fechassem um pouco mais a cada segundo. A janela aberta deixava entrar a brisa fresca da madrugada, mas o coração dela batia forte, quente, como se estivesse preso em um inferno particular. O celular, jogado ao lado da cama, piscava de vez em quando, entretanto nunca com a notificação que ela desejava.

 

— Ele não vai responder... — murmurou, frustrada, jogando-se de volta no travesseiro.

 

Carla estava obcecada. Obcecada por Daniel, o homem que a enfeitiçara desde o primeiro beijo. A sensação era incontrolável, como se uma força invisível a puxasse para ele, não importava o que fizesse. Era um vício que a corroía lentamente, um desejo constante de estar perto dele, sentir seu toque, ouvir sua voz.

 

Aquele silêncio era insuportável. Sentia que cada segundo sem uma mensagem dele, era um ataque à sua sanidade. Queria, precisava, que ele falasse com ela, que estivesse presente, que a quisesse da mesma forma que ela o queria. porém as horas passavam, e nada... Uma angústia profunda tomava conta de seu peito e seus pensamentos giravam em torno do que ele poderia estar fazendo, ou pior, com quem.

 

De súbito, seu telefone vibrou. Ela saltou da cama, ansiosa, mas ao ver a tela, a decepção foi imediata. Era apenas uma mensagem de trabalho.

 

— Droga! — exclamou, sentindo uma onda de raiva atravessá-la.

 

Sentiu-se desamparada, como se estivesse à mercê de algo maior do que ela própria. A sensação era quase física, como uma droga. "O amor é uma droga", pensou. "E eu estou completamente viciada."

 

O dia em que conheceu Daniel parecia tão distante, contudo, a lembrança ainda era vívida. Ele se apresentou charmoso, envolvente, parecia entender seus desejos mais íntimos. E então, com o passar do tempo, a atenção foi diminuindo. As mensagens, que antes eram constantes, tornaram-se espaçadas. As promessas de encontros transformaram-se em desculpas vagas. No entanto, mesmo sabendo disso, Carla não conseguia se desvencilhar da necessidade de ter Daniel por perto. O vício era maior que ela.

 

— Eu preciso de você — ela disse em voz alta, como se as palavras pudessem atravessar o espaço e o tempo até ele.

 

Lembrou-se das noites que passaram juntos, de como ele a fazia rir e como, de alguma forma, sempre parecia escapar quando as coisas ficavam sérias. Como se ele soubesse o poder que tinha sobre ela, e isso o fizesse manter distância, mantendo-a sempre na linha tênue entre o desejo e a frustração.

 

— Meu vício... meu bem... e meu mal — sussurrou Carla, quase sem perceber.

 

Ela levantou-se da cama, incapaz de ficar parada. Caminhou pelo apartamento, o coração apertado, como se cada passo fosse uma busca por algo inalcançável. O eco de seus sentimentos reverberava em cada canto da casa. "Quero-o por todas as horas... mas ele não vem!!!!!!!"

 

Carla passou as mãos pelos cabelos, os olhos agora lacrimejando. Era como se estivesse presa em um ciclo, um labirinto emocional do qual não conseguia escapar. "Amor é a pedra no meu caminho!!!", pensou, repetindo para si mesma. Cada passo que tentava dar para seguir em frente, era barrado pelo próprio desejo de ter o amado de volta.

 

Ela pegou o telefone de novo, hesitante. As horas avançavam e, no fundo, sabia que enviar outra mensagem seria inútil. Mas, como todo vício, o impulso era maior que a razão. Digitou rápido, um pedido simples: "Você vem hoje?"

 

Silêncio. Mais uma vez, silêncio.

 

— Quem mandou ele fomentar meu ninho? — murmurou, ecoando a pergunta que atormentava sua mente.

 

Já havia internalizado tudo mentalmente, como se tudo tivesse sido feito para deixá-la nesse estado de desespero. Como se ele tivesse, deliberadamente, plantado a semente do vício em seu coração, apenas para depois a abandonar. E agora, sozinha em seu apartamento escuro, Carla se perguntava se algum dia conseguiria se libertar desse amor.

 

O celular vibrou novamente. Dessa vez, o nome que tanto esperava, apareceu na tela.

 

— Estou na rua de baixo. Desce.

 

Carla sorriu, aliviada. Mesmo sabendo que a resposta, essa atenção momentânea, não resolveria nada, sentiu-se aliviada. Pelo menos por esta noite, o vício seria saciado. Amanhã? Amanhã seria outro dia, com suas próprias dúvidas e inquietações.

 

Ela pegou a chave e saiu porta afora. O amor, pensou, é o vício mais devastador que existe. Mas também é o único do qual, talvez, nunca quisesse realmente se curar.

 

Comentários

O soneto, integrado à narrativa, reflete perfeitamente os sentimentos de Carla. O amor como droga e vício, a obsessão pela presença do outro, a dor causada pela ausência, e a sensação de estar em um descaminho emocional são sentimentos explorados tanto no poema quanto na história. O ciclo vicioso de dependência é a base da trama, e o soneto, posicionado no início, serve como um prenúncio poético da trajetória emocional de Carla.

 

Título: O Amor Como Vício

 

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**Soneto de Abertura** 

 

O amor é uma droga... 

É o meu maior vício! 

Eu me viciei nessa droga! 

O coração em solstício, 

 

Desregulada e muito louca!! 

Eu quero dele agora a boca! 

É já! Minha vontade é o agora!!! 

Quero-a por todas as horas. 

 

Meu vício é ele! O meu bem 

E meu mal! Quero-a e não vem 

Agora a sua boca para meu bem!! 

 

Ora, amor é a pedra no meu caminho! 

Quem mandou ele fomentar meu ninho? 

Foi só para me deixar nesse descaminho? 

 

(Sartório Wilen)

 

Análise Estrutural e Psicológica do Texto

Estrutura do Soneto

O soneto segue a tradicional forma de 14 versos, distribuídos em dois quartetos e dois tercetos, o que oferece uma estrutura clássica à poesia. Os quartetos estabelecem o tema principal, neste caso, o amor como vício e fonte de descontrole emocional, enquanto os tercetos concluem a reflexão com um tom de frustração e questionamento.

Primeiro Quarteto: 

  O amor é imediatamente comparado a uma droga, algo viciante que domina a vida da pessoa. A ideia de "vício" aqui reflete uma dependência incontrolável, uma entrega absoluta a algo que está além do controle racional. O uso de "solstício" sugere um ponto de mudança extrema, talvez a oscilação entre os polos do prazer e da dor no amor.

 

Segundo Quarteto: 

Aqui, o desejo toma o palco, personificado pela urgência em obter o outro. A linha "Minha vontade é o agora!!!" transmite a natureza impulsiva desse desejo, como um vício que não pode esperar. O excesso de exclamações intensifica o sentimento de desespero e necessidade imediata.

Primeiro Terceto:

O vício é novamente reforçado, mas agora com a frustração da ausência. O sujeito deseja a presença e o contato físico (a boca) do outro, mas esse desejo não é satisfeito. O conflito entre querer e não ter se estabelece, mostrando a natureza ambígua do amor, tanto "bem" quanto "mal" ao mesmo tempo.

Segundo Terceto:

  O encerramento do poema é uma reflexão sobre a armadilha do amor. A metáfora da "pedra no caminho" é uma alusão ao obstáculo que impede o sujeito de seguir em frente. A ideia de que o amor fomenta um "ninho" sugere uma falsa sensação de segurança ou lar, que na realidade leva ao "descaminho", ou seja, à perda de direção na vida emocional.

Análise Psicológica

A narrativa e o poema tratam de um estado psicológico de dependência emocional e de como o amor pode se transformar em algo que subjuga a mente e o corpo. Carla, a protagonista da narrativa, é uma representação vívida do que o soneto descreve: uma pessoa que não consegue controlar sua obsessão amorosa. Ela está presa em um ciclo de desejo e frustração, similar ao uso de uma droga.

A dependência emocional pode ser descrita como um estado em que a pessoa se torna incapaz de encontrar satisfação ou completude sem o outro. No caso de Carla, o amor por Daniel não é apenas um sentimento, mas uma necessidade compulsiva, um vício que controla sua vida. O ciclo de espera, frustração e alívio momentâneo com a atenção de Daniel espelha o ciclo de vício descrito no poema.

Neurociência e o Amor como Vício

A experiência de Carla e o tema do soneto têm paralelos diretos com o que a neurociência entende sobre o amor e a dependência. Estudos sobre o cérebro mostram que o amor romântico, ativa regiões semelhantes àquelas envolvidas no vício em drogas, especialmente o sistema de recompensa, que inclui o núcleo accumbens (centro do prazer) e o córtex pré-frontal. Estes são os mesmos circuitos ativados pelo uso de substâncias como cocaína e álcool.

1. - Dopamina:

   Quando Carla espera uma mensagem de Daniel, o cérebro dela provavelmente está inundado de dopamina, o neurotransmissor associado à expectativa de recompensa. A dopamina é responsável pela sensação de prazer e antecipação, e quando o desejo é frustrado, como quando Daniel não responde, ocorre um “déficit de dopamina”. Isso cria uma sensação de desconforto e insatisfação, semelhante à abstinência em vícios físicos.

2. - Ciclo de Recompensa:

   O vício emocional de Carla é reforçado toda vez que Daniel responde ou dá qualquer sinal de atenção. Esse “reforço intermitente” é extremamente poderoso, pois o cérebro recebe a recompensa de forma imprevisível, o que aumenta ainda mais a compulsão. A incerteza de quando (ou se) Daniel vai responder faz com que o cérebro de Carla busque continuamente aquela dose de dopamina, criando um ciclo que é difícil de quebrar.

3. - O Papel do Córtex Pré-Frontal:

   O córtex pré-frontal, que é responsável pelo controle de impulsos e pelo planejamento a longo prazo, é muitas vezes “sequestrado” em estados de amor obsessivo. Isso explica por que Carla continua a enviar mensagens a Daniel mesmo sabendo que isso não resolverá o problema. Ela não consegue “racionalizar” seu comportamento, porque sua mente está dominada por impulsos emocionais.

4. - Desregulação Emocional: 

   No poema, o coração é descrito como "em solstício", indicando uma desregulação emocional extrema. Isso pode ser interpretado como uma metáfora para o estado de desequilíbrio do sistema límbico, onde as emoções são processadas. Pessoas em relacionamentos obsessivos, como Carla, frequentemente sofrem de altos e baixos emocionais intensos, semelhantes a uma "montanha-russa" emocional, exatamente como o soneto descreve.

Análise mais Profunda

O texto que acompanha o soneto e a história de Carla são representações profundas da natureza humana em face do amor e da dependência emocional. Carla, assim como o eu lírico no soneto, sente-se aprisionada por um amor que não é recíproco de maneira satisfatória. Ela experimenta uma necessidade constante, como se o outro fosse a única fonte de prazer, apesar de essa dependência também trazer sofrimento.

O estado emocional de Carla é tipificado pela "urgência do agora", a necessidade imediata de alívio que só o contato com Daniel pode proporcionar. Isso reflete a natureza cíclica dos relacionamentos disfuncionais, onde os momentos de satisfação são curtos e seguidos por longos períodos de angústia e espera.

Do ponto de vista psicológico, Carla está presa em um relacionamento que segue o modelo da dependência emocional. O "descaminho" descrito no soneto é o resultado de uma idealização irrealista do outro, que fomenta um ninho de ilusões, mas nunca entrega a estabilidade emocional prometida.

Conclusão

A estrutura do soneto complementa e enriquece a narrativa, funcionando como um espelho poético da jornada emocional de Carla. Ambas as formas artísticas (narrativa e soneto) exploram as complexidades do amor obsessivo, as armadilhas psicológicas da dependência emocional, e os efeitos neurobiológicos dessa experiência. O uso de figuras de linguagem, como "droga", "vício", e "pedra no caminho", contribui para uma compreensão mais profunda das emoções humanas envolvidas. A história de Carla, assim como o soneto, revela que o amor, quando transformado em dependência, pode ser tanto uma fonte de prazer quanto de dor, aprisionando a mente e o coração em um ciclo difícil de escapar.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

 

A cabeça cheia de metáforas

Este monte de papel encadernado é uma chave de alguma porta... Este caminhar é pelas palavras... Estas passadas serão para o futuro... Este palco será meu lar... Estas luzes iluminarão as minhas palavras... Da minha cabeça voarão palavras mais velozes para as páginas dos próximos livros...

Entretanto eu garanto e posso dizer, meu Caro Leitor, em vozes veladas e em veladas vozes que naveguei num mar de palavras e cheguei em Portugal. Agradeci a Pedro Alvares Cabral por ter descoberto o Brasil e a Dom Pedro por ter dado o Grito do Ipiranga! Agradeci também a Luís Vaz de Camões pelas rimas e pelos sonetos. Desci das nuvens esquiando sobre os pingos da chuva como as lágrimas de alegria de um céu emocionado, pela descoberta, de que ainda, existe poetas que valorizam um céu estrelado e, mais ainda, que dele chove, em lágrimas, por ter encontrado as metáforas junto às figuras de linguagem, para num ato heroico brado retumbante, transformar um texto narrativo numa prosa poética.

Para chegar ao Brasil, passei muito além da dor pelo Bojador e, a nado no oceano de palavras no Aurélio, atravessei o universo da semântica. Mas antes para me preparar e, também, para me relaxar para o por vir, joguei truco em forma prosa com Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caieiro e Bernardo Soares e o chefão. Depois troquei várias figurinhas e algumas rimas com todo poderoso Fernando Pessoa! Despedi-me do Poeta e saí dessa visita um convicto contumaz de que ele realmente é um fingidor.

Já no Brasil, no Rio de Janeiro joguei truco com Álvares de Azevedo e dancei uma valsa com a caneta tinteiro em parceria com José de Alencar, visitei o Bruxo do Cosme Velho na Academia Brasileira de Letras, passei pelo quartel e bati continência para o Sargento de Milícia e no final a metonímia surgiu em forma de pergunta 'E agora José?"

O livro findou, a rima acabou, os versos se foram, as forças se esvaíram, a cabeça acusou falhas, sobrou só e apenas este pequeno texto com estas metáforas que passaram pelas escritas de Santiago Derin.

(Sartório Wilen)

 


 Evento de profissional

Desde cedo, o talento de Joaquim já brilhava como uma estrela no céu da infância. Se você duvida, ouça este relato. O pequeno Joaquim, ainda um bebê, foi levado pelo pai ao bar para assistir ao jogo do São Paulo, rodeado pela fervorosa torcida tricolor. Ao chegar, o pai desceu do carro e, como um troféu precioso, carregou o menino até os degraus. Lá, entregou o mini torcedor para a esposa do dono do boteco, que, com carinho, o acomodou em seu andador. Como se fosse um maestro prestes a reger uma sinfonia, Joaquim foi solto no salão do bar.

O menino, com a determinação de um veterano, engatou as marchas de motivação, uma atrás da outra, e começou a mover-se pelo espaço, arrastando mesas e cadeiras como se fossem peças de um quebra-cabeça. Cada movimento era preciso, orquestrando o ambiente para deixar o centro livre, pronto para a grande comemoração que se avizinhava. Os olhares dos presentes se entrecruzaram, percebendo, naquele instante, que Joaquim não era apenas um bebê; ele já exibia um talento natural para organizar eventos, um pequeno prodígio em ascensão.

Com o início do jogo e o salão meticulosamente preparado, a torcida animada acompanhava cada lance, soltando palavrões a cada erro do atacante são-paulino. E então, algo inesperado: Joaquim, como um pequeno guardião da moralidade, abria um choro estridente que cortava o ar como uma navalha, até que os incomodados cessassem seus comentários rudes. Era como se ele soubesse, em sua inocência, que aquilo não era só falta de educação, mas também um desrespeito ao espaço público. A mensagem era clara: se quiser falar o que pensa, que o faça em particular!

A dona do bar, impressionada com a moralização inesperada do ambiente, observava encantada. Na hora do gol do São Paulo, o bar explodiu em alegria, e Joaquim, sem perder o ritmo, gritava e ria, correndo de um lado a outro com seu andador, interagindo com os fregueses como se fosse o anfitrião da festa. A cada gol, recebia abraços e beijos, seu riso se espalhando pelo salão como um contagiante eco de felicidade. O círculo de alegria e motivação parecia não ter fim: a cada nova comemoração, Joaquim se lançava em uma espiral de riso e energia, uma verdadeira festa ambulante.

No término da goleada do São Paulo, exausto de tanto rir e celebrar, Joaquim adormeceu no colo da dona do bar, como se todo o esforço de um dia de trabalho tivesse sido recompensado com o descanso mais doce. O pai, imerso na alegria da vitória e aliviado por não ter que se preocupar com o bebê de dez meses, abraçava os torcedores como se fossem velhos amigos, esquecendo momentaneamente do filho. A surpresa veio na hora de ir para casa: Joaquim, já trocado e pronto para dormir, havia recebido uma fralda emprestada pelo neto da senhora do bar.

Ao chegar em casa, a mãe, que passara esse período em meio à preocupação de que os rojões pudessem assustar o menino, preparava-se para levá-lo à benzedeira na segunda-feira. Mas, ao ver Joaquim tão tranquilo, uma pontada de desconfiança a atravessou. Cheirou-lhe a boca, buscando qualquer indício de que algo estivesse errado, mas só encontrou o delicioso aroma de chocolate. E a surpresa maior veio quando soube que seu filho havia sido "contratado" para organizar os próximos eventos da torcida do São Paulo, cuidando do comportamento e da moralidade dos participantes. Juro que é verdade, e dizem que até existe um projeto de lei para legalizar eventos monitorados pelo pequeno Joaquim.

(Santiago Derin)


Uma Análise – para quem gosta!!!

Estrutura e Narrativa

O texto se desenvolve como uma crônica leve e bem-humorada, utilizando uma estrutura linear com início, meio e fim bem definidos. Ele narra um evento aparentemente comum, mas transforma-o em algo especial ao focar na experiência de um bebê em um ambiente adulto. A narrativa é contada por um narrador onisciente, que acompanha e interpreta os acontecimentos com um toque de humor e ironia.

O texto começa com uma premissa intrigante, sugerindo que o talento do pequeno Joaquim já é evidente desde a infância. Isso cria uma expectativa no leitor, preparando-o para um relato curioso e divertido.

Quanto ao que se refere ao desenvolvimento da narrativa é onde o talento de Joaquim se revela. Através de ações simples, como arrastar mesas e reagir ao comportamento da torcida, o menino se destaca e ganha a atenção dos adultos. As descrições enfatizam o impacto de suas ações no ambiente e nos personagens ao seu redor.

Já o desfecho se apresenta na forma de inesperado e cômico. Joaquim, depois de um dia agitado, é "contratado" para eventos futuros, o que reforça a ideia de que seu talento é realmente notável, ainda que de uma forma irônica e exagerada.

Figuras de Linguagem e Estilo

O texto utiliza várias figuras de linguagem para enriquecer a narrativa e destacar a singularidade de Joaquim, por exemplo, na Metáfora - "O talento de Joaquim já brilhava como uma estrela no céu da infância" - Aqui, o talento de Joaquim é comparado a uma estrela, sugerindo algo natural e inevitável. - "Como um maestro prestes a reger uma sinfonia" - Essa metáfora reforça a ideia de que Joaquim, mesmo sendo um bebê, tem controle e propósito em suas ações.

Quanto a Comparação - "Como se fosse um maestro" - A comparação destaca a habilidade natural de Joaquim em organizar o ambiente ao seu redor. Na Hipérbole - "Seu riso se espalhando pelo salão como um contagiante eco de felicidade" - O riso de Joaquim é exagerado para enfatizar o impacto emocional que ele causa nos presentes. -Destaca até um absurdo -  "Existe até um projeto de lei para legalizar eventos monitorados pelo pequeno Joaquim" - Essa hipérbole é usada de forma humorística, sublinhando o quanto o talento de Joaquim foi levado a sério, de forma exagerada.

No que se refere Ironia - O fato de Joaquim, um bebê, ser contratado para organizar eventos é uma ironia central do texto, que joga com a ideia de que mesmo uma criança pode ser vista como um profissional, dependendo da perspectiva.

Temática e Intencionalidade

O texto explora a ideia de talento inato e como ele pode se manifestar de maneiras inesperadas. Através da figura de Joaquim, a narrativa questiona as expectativas que temos sobre habilidades e responsabilidades, mostrando que, em certos contextos, até mesmo um bebê pode se destacar e ser valorizado. Além disso, há uma crítica sutil ao comportamento adulto, especialmente em espaços públicos. A reação de Joaquim aos palavrões, por exemplo, coloca em questão o que é considerado apropriado em diferentes ambientes e como a moralidade pode ser percebida através dos olhos de uma criança.

Dimensão Emocional e Psicológica

O texto brinca com as emoções de maneira eficaz. Joaquim, embora seja um bebê, é retratado como uma figura central que afeta os outros personagens, tanto emocionalmente quanto ao aspecto comportamental. A narrativa cria uma relação de empatia entre o leitor e Joaquim, especialmente através de suas reações ao comportamento dos adultos. Quanto ao uso do humor e da leveza ajuda a suavizar a crítica implícita ao comportamento da torcida, enquanto a figura de Joaquim serve como um espelho para refletir sobre nossas próprias ações e responsabilidades. O final, com Joaquim adormecendo pacificamente, oferece um fechamento emocionalmente satisfatório, que contrasta com o tumulto e a agitação anteriores, destacando a inocência e a pureza infantil como elementos redentores.

Neurociência e Desenvolvimento Infantil

Embora o texto não aborde explicitamente aspectos da neurociência, ele toca em temas relevantes ao desenvolvimento infantil. Joaquim, apesar de sua idade, demonstra uma capacidade notável de influenciar o ambiente ao seu redor, o que pode ser visto como uma representação de como as crianças, mesmo muito jovens, são sensíveis às interações sociais e às normas culturais. A resposta emocional de Joaquim ao comportamento inadequado dos adultos é um exemplo de como as crianças captam e reagem a estímulos emocionais e sociais desde cedo. Essa sensibilidade pode estar ligada ao desenvolvimento das funções executivas e ao aprendizado de regras sociais, aspectos cruciais para a formação da moralidade e da ética.

Por fim na conclusão o texto "Evento de profissional" é uma crônica bem-humorada e bem elaborada, que utiliza figuras de linguagem e uma narrativa leve para explorar temas como talento inato, moralidade, e o comportamento humano em espaços públicos. Através da figura de Joaquim, o autor consegue entreter o leitor enquanto provoca reflexões sobre as expectativas sociais e o desenvolvimento infantil. A inclusão de humor e ironia torna o texto cativante, e a estrutura bem definida garante que a mensagem seja clara e impactante.

 


domingo, 25 de agosto de 2024


 

 

 Texto Teatral - "Um Índio"


 

[Cena única]

(Um garoto entra em cena cantando uma música sobre índios. Sua vestimenta é um traje tradicional indígena. Uma garota entra logo depois, observando-o com curiosidade.)

 

Garota: (Intrigada) Por que esse traje? E essa alegria toda?

Garoto: (Com um ar de superioridade) Não sabe? (Fala baixo para o público) Como tem gente ignorante neste mundo... (Voltando-se para a garota) Essa é uma vestimenta indígena, claro.

 

Garota: Isso eu sei! O que me surpreende é você estar usando isso.

Garoto: (Para o público) Como tem gente desinformada... (Para a garota) Então você realmente não sabe? Hoje é Dia do Índio!

 

Garota: Isso eu também sei!

Garoto: Então por que você perguntou?

Garota: Só para ver se você sabia!

Garoto: Se eu não soubesse, não estaria vestido assim, certo?

Garota: Errado! Pelo visto, você não sabe nada.

Garoto: (Para o público) Meu pai sempre disse que mulher é complicada... (Para a garota) Ô anta! Se estou vestido de índio, é porque eu sei, sim!

 

Garota: (Com um ar de desafio) Você conhece Gonçalves Dias?

Garoto: Gonçal...ves... Uma vez meu pai mencionou esse nome... Ele não jogou no Corinthians?

 

Garota: (Exasperada) Que Corinthians, moleque?! Estou falando do poeta! O autor dos versos "Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá".

Garoto: E você conhece o Serjão Boca de Pilão?

 

Garota: Nunca ouvi falar... Quem é ele?

Garoto: Ele é o autor dos versos "Minha terra tem Corinthians que nasceu para golear!" (Ri sarcasticamente para o público)

 

Garota: Eu não estou brincando!

Garoto: Nem eu. (Ligeiramente sério)

Garota: E "O Guarani", conhece?

Garoto: Claro que conheço! Meu time já ganhou várias vezes desse time.

 

Garota: (Impaciente) Não estou falando de futebol! Estou falando da obra de José de Alencar.

Garoto: José de Alen... Ah! O marido da Gertrude, o engenheiro que mora na esquina?

Garota: (Para o público) Um exemplo acabado de alienação... (Voltando-se para ele) E Jorge Benjor, conhece?

Garoto: Cantor de rap, né?

 

Garota: Caetano Veloso?

Garoto: Funcionário do meu pai... Não! Aquele que é Caetano Pedroso...

Garota: (Com um suspiro) É por isso que eu disse que você não sabe nada.

Garoto: Se você já sabia minhas respostas, por que fez as perguntas?

 

Garota: Porque você não está sendo você...

Garoto: (Confuso, para o público) Acho que essa garota pirou de vez!

Garota: Você, neste instante, está representando toda a ideologia dominante deste país...

Garoto: Epa! Nunca me falaram disso...

 

Garota: Pois eu estou falando! E não só para você, mas para eles também! (Aponta para o público) Jorge Benjor já dizia: "Todo dia era dia de índio." No Brasil, antes da colonização, cada dia era dia de índio. Mas, quando o branco chegou, reduziu isso a um único dia no ano!

Garoto: (Pensativo) E os outros 364 dias do ano, são de quem?

Garota: Agora você está começando a entender... Esses dias foram roubados dos índios e entregues ao branco. Gonçalves Dias cantou o índio em poesia. Sabia que ele escreveu sobre eles?

 

Garoto: (Ainda confuso) Acho que meu pai não comprou esse CD...

Garota: Não é CD, é literatura! José de Alencar transformou o índio em herói nacional. Peri, de "O Guarani", é um exemplo disso. E sabia que já tivemos um índio como deputado federal? O Cacique Juruna, que gravava as promessas dos políticos brancos para tentar garantir os direitos indígenas.

Garoto: E ele conseguiu?

Garota: Infelizmente, não. Os brancos ridicularizaram o Cacique até destruírem sua carreira política.

 

Garoto: Nossa! Os brancos pegam pesado...

Garota: Caetano Veloso escreveu uma música chamada "Um Índio". Nela, ele prevê o dia em que um índio descerá de uma estrela colorida e surpreenderá o branco, não pelo exotismo, mas por dizer o óbvio: o branco, ao tentar enganar e marginalizar o índio, está destruindo a si próprio. O índio representa a pureza da natureza humana. Ele é amor, respeito, e sua sociedade é um exemplo de modernidade. O branco, em sua arrogância, está jogando fora a oportunidade de aprender com isso e, assim, perder a chance de ser verdadeiramente feliz.

 

Garoto e Garota (em uníssono): Ouçam a música! E reflitam sobre esse Índio!

(Ambos olham para o público, a cena termina com uma música indígena tocando ao fundo, enquanto as luzes diminuem.)

 

(Ademar Oliveira de Lima)