O problema do Zé
Era sábado de carnaval. O Zé se aprumava em pé perto da porta da sala, lado de fora, sentou-se na cadeira de plástico, tirou os chinelos, pôs um sobre outro em forma de cruz e acendeu um cigarro.
Pelo viés da porta enxergava na TV as imagens do carnaval. Lembrou-se das pingas, das mulheres, dos repiniques, dos ganzas daquela boa época.
Não foi muito longe nas memórias, sua mulher passou e desfez a Cruz Chinelal.
Ele não gostou do que ela fez, a cruz era dele, era ele quem deveria desfazer a cruz, não ela! A cruz não era dela!!!
Não queria se aborrecer! Jogou o toco de cigarro no chão e foi apagar com pisão forte. Seus chinelos não aprovaram essa ideia. Achou melhor esse não. Balançou a cabeça para o aborrecimento resfriar. Não queria se apoquentar.
Tentou engatar uma quarta marcha e desembocar naquele carnaval antigo, da escola de samba antiga, daquela cabrocha antiga, dos problemas antigos, entretanto a imagem da sua cruz feita pelos chinelos havaianas, agora desfeita por sua mulher, não saia da sua cabeça, atrapalhou os pensamentos e agora também ela não saia da sua cabeça.
O problema era do Zé, por que ela tinha que mexer? Se o problema era do Zé, então era problema do Zé!! O Zé que se vire com o problema!!!
Num soslaio, a mulher olhou para Zé e disse:
- Sarou?
O Zé olhou para ela e, com os dentes cerrados, replicou:
- Você mexeu com problema do Zé e se o problema é do Zé, é o Zé que resolve!!!
- Para de resmungar aí, tá atrapalhando a TV!
O Zé, só de pirraça, cruzou os chinelos novamente.
Num repente veio o mal balançando negativamente a cabeça e descruzou os chinelos e, com as mãos na cintura, finalizou com uma frase de efeito:
- Tá chamando a morte, imbecil? Tá sem sal? Vai tomar uma no bar que sara!!
O Zé olhou para aquele monte de pano obesial que se afastava, enfiou a mão no bolso, retirou a grana, contou seus trocados, pensou nas vantagens de cruzar os chinelos no bar do Último gole!
Lá era a verdadeira Pasárgada, era amigo do dono, o problema do Zé, era do Zé e mais protegido do mal. Cortaria o mal pela raiz! Foi-se.
(Santiago Derin)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Leitor, preciso de você!!
O meu texto só existirá se você ler!!
Deixe suas impressões! Abraços!!