A lembrança vem à tona
A vida do ser humano reserva tanta
coisa, tantas histórias que só mesmo as lembranças para resgatar o homem que
fomos. Se o senhor permitir e não
atrapalhar os seus afazeres, gostaria de relatar os fatos sobre aquele edifício
alto, bonito, com sacada e um jardim suspenso. Na época, não passava de uma
casa assobradada em ruínas com o térreo e o primeiro andar.
Vivíamos em
um grupo de agregados cidadãos de segunda classe, aqueles que se diferenciam
porque vivem dos restos de uma sociedade marginalizadora e sem proposta de uma política de promoção
social!
Aflora, na
minha memória, o caminhão parando na frente da nossa maloca, os homens descendo
e apanhando as suas ferramentas. O dono nem quis saber quem residia ali e por
quê. Determinou, com uma voz autoritária, o desmanche do nosso lar! Obrigaram-nos
a juntar todos os nossos pertences que se resumiam apenas à dignidade de ser
humano, duas calças já carcomidas pelo tempo, minha santinha, presente de uma
senhora da feira-livre, duas camisas velhas e uma blusa surrada. Os demais colegas também
não passavam dessa mesma quantia de coisas.
A situação
tensa experimentada por nós não confortava ninguém, nem mesmo os transeuntes
que naquele momento presenciavam a nossa retirada do local! Saímos desolados eu,
Joca e
Joselino Mato Grosso, os causadores daquele tumulto. Havíamos construído
a nossa maloca em propriedade alheia. Mato Grosso não entendia a falta de
sensibilidade do dono da casa; eu, para
aliviar a situação, argumentei: “ Os homens estão com a razão, nós acharemos
outro lugar!” João Carlos ,o popular
Joca, expressou o momento num dito popular: “ Deus dá o frio conforme o
cobertor!”.
Hoje, vinte
anos após a demolição, nesta avenida, tudo mudou. Tornei-me, até por ironia do
destino, engenheiro civil. Os meus amigos viraram andarilhos urbanos, já os vi
tirando um cochilo nas gramas dos jardins! Um dia paguei-lhes almoço e dei-lhes uns trocados, até nos lembramos da canção que entoávamos na
época:
“Saudosa
maloca, maloca querida, dim dim donde nós passemos dias feliz de nossa vida” .
(Santiago Derin)
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