Logo abaixo a Galeria dos Meus Leitores Especiais

Autor

Autor
Pseudônimos

Num barco, no mar revolto de palavras

Um texto só sobrevive, se arrebanhar um leitor!!!!
Um leitor só existe, se alguém escrever!!!


sábado, 21 de fevereiro de 2015

Amor platônico: a doença

Amor platônico: a doença

Era carregador de feira-livre! Apresentava-se como um Silva! Destes que, por ventura, poderia até ser um dia presidente, bem como, ser um Batista: o santo do Rio Jordão. João Batista da Silva era a sua graça de registro, mas quis o destino que fosse conhecido por João Gostoso. Quando criança? Tinha bochechas gordinhas. As vizinhas gostavam de apertá-las e diziam ser gostoso apertar a carinha do menino. De João da bochecha gostosa passou, no carrear dos anos, para João Gostoso.

Morava no morro da Babilônia num barracão sem número. Como toda a vizinhança, não era reconhecido pelo Estado como gente. Ali cresceu gostosamente. Quando homem? De gostoso só ficou o apelido. A vida tinha sido muito severa com ele. Quando criança não tinha muita cabeça para estudar, mas, segundo a mãe, dava graças a Deus, porque seguiu o lado bom do fluxo do morro: trabalhar, trabalhar e trabalhar! Era arrimo de família. Pesava sobre seus ombros o ônus dos dependentes.

João parecia competir com o Sol. O astro maior nem havia acordado e o João já estava em pé. Trabalhava todas as manhãs nas feiras-livres da redondeza! Não era um emprego fixo e muito menos o seu salário. De fixo mesmo só lhe era a meta: Sustentar a mãe e aos irmãos. De manhã nas feiras e à tarde descarregava pedra de mármore dos caminhões em uma loja de material de construção até as oito da noite. Quando tinha. Quando não, à pé, entregava compras para um supermercado nos apartamentos da redondeza!

Nunca reclamou de canseira, mas já fora visto deitado em cima das pedras de mármores brancas descansando como um defunto. Após o trabalho, seguia para casa, porém antes passava no bar para ver os amigos e conversar um pouco. Tomava uma cachaça e trocava algumas ideias repetidas com os frequentadores do barzinho. Pouco falava, mas seu coração era de Raquel sua vizinha. Uma mulata sambista, dengosa, faceira e estudante do ensino médio. Sonhava em ser uma psicóloga!

Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro. Naquele dia, já ao levantar, João já se percebia estranho. A notícia da noite anterior não lhe fizera muito bem: Raquel estava grávida do ex-namorado! Não era o que queria para a moça, seu sonho era outro: ser feliz para sempre como nos contos de fadas. Mas o que fazer? Amava a garota, entretanto não era correspondido. Ficou com dó da jovem e arriscou até uma investida. Assumiria o filho e a amaria por toda vida e o problema seria resolvido! A resposta foi negativa e bem veemente, a ponto de não sair-lhe da mente aquela semente de ódio, de ser um sem mente e até se considerava um demente, por não ter tratado da mente nas escolas do bairro!

Bebeu. De tudo que tinha no bar ele provou. Passou da pinga ao conhaque num respirar e até whisky não desprezou, tudo que era líquido bebeu, até sólido, se virasse liquido beberia, se nele colocassem álcool. Não falou para ninguém do seu problema. Apenas bebeu. Às vezes brindava ao amor platônico! As pessoas não entendiam o que seria platônico, mas ele sabia muito bem, porque ouviu de uma freguesa do supermercado a expressão quando esclarecia o significado para uma amiga! Foi uma aula e tanto! Foi um momento revelador! aprendeu que o da sua doença era amor platônico! Algo muito mais grave que um Câncer ou até mesmo a Aids. Estas duas desgraçadas vêm e aniquila e mata! A amor platônico aniquila, mas não mata, ele é pior. Judia muito!!

Cantou. Para todas as mulheres ofereceu o seu amor! Para os seus amigos o canto dedicou também. Para a bebida ofereceu a vida! Subiu na mesa balbuciou um discurso. De sua boca apenas saiu alguns monossílabos e quando conseguia produzir algumas palavras de mais sílabas, eram inaudíveis bem próximos de um rugido animal. Era uma cena comovente para quem via e para quem o conhecia, não encontrava na imagem nada de gostoso em ver o coitado embriagado daquele jeito. Havia até alguns olhares de espanto, uns diziam que ele estava possuído pelo demônio. Para outros não era o demo! Mas, com certeza, era grave o caso!

Dançou. Demorou para o João perceber que naquele dia tinha música ao vivo. Dois amigos do dono do bar haviam resolvido tocar e cantar algumas toadas sertanejas! E, numa delas, retrataram sem perceber a vida de João:

" Meu coração tá pisado como a flor que murcha e cai, pisado pelo desprezo de um amor quando desfaz, deixando a triste lembrança: O adeus para nunca mais!"

Mandou vir uma cachaça, pegou a Arminda, que estava sentada na cadeira já quase dormindo, e saíram dançando ao som e da melancolia das palavras melódicas

" O amor nasce sozinho, não é preciso planta, o amor nasce no peito, farsidade é no oiá, você nasceu para outro e eu nasci pra te amar"

As frases musicais berravam em seu ouvido. Eram como torturas psicológicas em tempo de guerra. A guerra ocorria dentro dele. Era uma confusão só! O inimigo era ele mesmo. O invencível inimigo era seu coração. Tinha pisado na bola e perdeu o gol na cara do goleiro! O juiz apitou o final do jogo! Não dava mais, não havia prorrogação! Tudo perdido! Nadou, nadou e morreu na praia...

Para a coitada da Arminda foi uma delícia! Do nada, rejeitada pelos homens do local, naquele instante passou a se sentir uma princesa, mesmo que o seu príncipe, por hora apresentado, tivesse caído do cavalo e perdido o alazão e com ele, também, a razão! Mesmo que o álcool fosse o piloto daquela cabeça em desvarios. Para ela o importante era um homem ao seu lado! Não conhecia o teatro municipal, nem por fotografia, mas era como se estivesse nele dançando e cantando em uma famosa opera. João beijou-a como se desse uma bicada gostosa no copo de pinga. Foi a maior maravilha para a desarmada Arminda . Já, há muitos meses que, nem se lembrava o que era aquilo. Sentiu alguns arrepios estranhos no corpo. Haviam algumas partes da sua pele que ainda se lembravam do que é sentir um corpo a corpo! Não estava, ainda, totalmente aleijada dessas sensações! Ela bebeu, cantou e dançou e nem percebeu que João a largara sentada na calçada à espera do sol de um novo dia, tanto aqui na terra, como no céu! Amém.

Depois. João ainda perambulou trêbado pelas ruas, chutou algumas latas, de lixos e de luxos. Foi então que na iluminada água da lagoa, viu a imagem de Raquel!! O seu grande amor até que enfim o chamara!! O Destino Lia, em Manuel Bandeira, no Poema tirado de uma notícia de jornal: se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado. Manuel Bandeira poemou e Santiago Derin Proseou.

(Santiago Derin)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Leitor, preciso de você!!
O meu texto só existirá se você ler!!
Deixe suas impressões! Abraços!!