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Num barco, no mar revolto de palavras

Um texto só sobrevive, se arrebanhar um leitor!!!!
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quinta-feira, 22 de julho de 2010

Situação crônica !!

Situação crônica

- Outra vez não!!

Esta foi a exclamação do dono do bar ao ver dois indivíduos entrando no estabelecimento. Fiquei surpreso com a atitude, pois os dois fregueses não aparentavam ser problemas. Eram duas horas da manhã quando chegaram. Não percebi também alguma mudança na face do proprietário da casa. Sentaram-se os dois. O garçom foi atendê-los:

- Pois não!

- Dois uísques! Um com gelo e o outro sem...

- Quem são os dois? – perguntei ao garçom.

- Dois escritores. – Respondeu secamente.

Apesar da resposta do funcionário, senti-me a vontade, pois cronista documentado e sem assunto e com necessidade de escrever para o jornal obrigaram-me a perambular pelas ruas em busca de motivos. Não contive o ímpeto de me relacionar com eles, porém ao ver o aviso na parede do bar:

“ Aqui reúnem-se escritores de todos os gêneros literários, mas somente depois da briga”.

Segurei o ímpeto no ímpeto. Calculei ser os dois a razão do cartaz. O dono do bar, bigodudo e de traços luso, percebeu o meu comprtamento e indagou:

- Conhece os dois ali?

- Não!

- Na vez passada, os dois sentaram-se no mesmo lugar e a mesma hora. Trocaram algumas teorias literárias e mais tarde alguns sopapos que nem mesmo as estruturas literárias os suportaram – Dizia o português com um ar de preocupação – essas atitudes pegam mal para um estabelecimento comercial!

Indiferentes ao dono do bar, os dois bebiam tranquilamente, apesar de já chegarem meio de pileque de um outro boteco, segundo constatei depois. Então desenrolou a conversa ou melhor a discussão:

- Agora eu estou escrevendo crõnica!

- Já fracassou no romance e vai fracassar na crônica!

- Deixe de ser despeitado! Só porque você não sabe escrever contos, já pensa que todos são incapazes!

- Não revire defunto adormecido! Você nem sabe o que é crônica!!

- Como não! A Crônica oscila, pois , entre a reportagem e a literatura, entre o relato impessoal, frio, descolorido de um acontecimento trivial e a recriação do cotidiano por meio da fantasia!

Respondeu com pompas , como se as palavras de Massaud Moisés fossem suas.

- Você é um equilibrista do cotidiano...

Afirmou o outro com desdém.

- Exatamente! – Sem titubear concordou o outro – Sou um equilibrista do cotidiano, porque um cronista faz o que quer! Inclusive uma crítica de um filme, de uma peça teatral , de um livro de arte...

- Eu disse equilibrista de um copo de uísque e não equilibrista da crônica!

- Você em outras palavras está querendo dizer que eu sou um alcoólatra contumaz!

- Não! De jeito nenhum! Eu estou apenas falando que equilibrando copos, não vai sobrar tempo para você escrever.

- Ora, você é um ciumento mesmo!

- E você, quantos livros já escreveu? E quantos foram publicados?

- Tenho oito livros adormecendo em meu computador para serem levados para editora na hora certa!!!

- Depois de morto...

- Ah...

- Nada!

- Ainda bem... A crônica é um gênero literário com vida curta, dura apenas o tempo de uso do jornal, um dia...

- No seu caso durará segundos! O leitor ao ler o primeiro parágrafo pensará e desistirá!!

- Ultimamente a crônica tem merecido a atenção não só porque apresenta qualidades literárias , como busca a perenidade do livro, é o caso de Rubens Braga , Fernando Sabino, Sergio Porto, este com o famoso codinome Stanislaw Ponte Preta, que você muito conhece, Luis Fernando Verísimo e por aí vai...

- E, presumo, você agora!

- Ignorante como voce é, merece saber que há vários tipos de crônicas: A narrativa cujo eixo é a história o que a aproxima do conto. Um outro exemplo é a crônica metafísica construída de reflexões mais ou menos filosóficas...

- Que interessante! Ele joga com as palavras dos teóricos! Agora tá fazendo suas as palavras de Flore Bender e Ilka Laurito.

- Crônica-poema-em-prosa de conteúdo lírico, mero estravasamento da alma do artista ante ao espetáculo da vida! Há também a crônica comentário dos acontecimentos!

- Ah! A crônica dos ineptos!

O dono do estabelecimento já inquieto, prevendo uma nova confusão, sentiu um vislumbramento, resolveu me apresentar aos dois. Segundo ele, eu poderia minimizar as diferenças entre eles, afinal eu também era escritor.

Por que é que eu fui dizer ao português que era cronista? Também era só o que poderia acontecer numa madrugada sem assunto, arrumar assunto com dois bêbados! Pensando bem, acabara de achar um motivo para uma crônica! Ruminei esses pensamentos e entrei na conversa:

- Não pude resistir a ouvir a conversa de vocês e ao prazer de participar dessa mesa redonda!

- Olha, meu senhor, a mesa aqui não é redonda conforme o senhor pode ver!!

Disse um deles com um olhar de reprovação. Em seguida repliquei:

- Fiquem tranqüilos... o que eu ouvi dos dois me deixou muto contente, pois há horas que estou andando preocupado buscando uma conversa, um assunto e vocês aqui transbordando conhecimento sobre crônica, foi o que me chamou a atenção!

- Então você acha que eu tenho valor enquanto escritor? – Idagou um deles.

- Não conheço os seus escritos , porém pelos conhecimentos teóricos que eu ouvi, acredito que sim!

- Eu já escrevi um conto, será que o senhor não daria uma olhadinha e, quem sabe, um empurrãozinho...

- Só se for para o abismo – ironizou o outro.

- Se vocês pararem com a discussão, eu prometo uma coisa aos dois!

Prontamente concordaram movimentando a cabeça positivamente, o que fez abrir um sorriso enorme nos lábios do dono do bar. Continuei a dizer:

- Eu vinha de não sei onde e de um sonho depertei ansioso no meio da noite sem lua quando vocês dois me tiraram da agonia, dando um motivo para a minha crônica!

- Você escreveu agora a crônica!?

Quase que uníssonos e com as mesmas palavras indagaram os dois.

- Exatamente! Vocês dois são as personagens.

- Então nós dois somos as personagens da sua crônica?... Que você escreveu ... Agora?

- Claro! O cronista é livre para escrever o que quiser, é escravo do papel a ser preenchido. Eu sentei-me ali naquele naquele banco em frente ao balcão e fiquei olhando para vocês e de vocês emanou o texto.

Os dois se olharam, Observara-me , fizeram um sinal para o garçom e um deles finalizou:

- Vamos embora companheiro que este cronista é muito inferior a nós.
(Santiago Derin )

Um comentário:

  1. Grande Professor Ademar! Uma aula de crônica divertida e descontraída, do mesmo modo que nos ensinou. Também visitei seus outros blogs, parabéns por todos e sucesso!

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